quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

The Blind Dead Series


Espanha nos anos 60 pra 70. Após 40 anos de um regime estritamente autoritário, o povo espanhol se mostrava intensamente interessado nos "prazeres proibidos" que podiam ser desfrutados no escurinho do cinema. Aí o horror, como gênero, começa a ter destaque em forma de fenômeno cultural e comercial. Ao perceber que vampirismo, lesbianismo, sadismo e outros temas até então menos recorrentes nas telonas causavam grandes filas nas entradas dos cinemas; muita gente começou a produzir filmes de terror no país das touradas.
Acredita-se que este segmento do cinema espanhol tenha trazido, pelo menos, dois personagens emblemáticos e particulares ao imaginário mundial: o primeiro teria sido o Dr. Orlof, do diretor Jess Franco; o segundo teria sido A Ordem dos Cavaleiros Templários, criado por Amando de Ossorio.
A espécie cega de zumbi/vampiro/múmia criada por Ossorio, mesmo que superficialmente baseada em personagens históricos, era algo sem precedentes na filmografia de horror e, por isso mesmo, o diretor teria encontrado dificuldades para produzir o primeiro filme da saga que, uma vez bem sucedido comercialmente, abriu caminho pra mais três produções.
Como seus conterrâneos irmãos de gênero, a saga de 4 filmes de Ossorio que lhe trouxe fama mundial, foi constituída de obras de baixo orçamento feitas no máximo em 4 ou 5 semanas. Só por causa de todas as dificuldades de produção, os feitos temáticos, estéticos, atmosféricos e que incluem interpretações e efeitos visuais, já deveriam ser apreciados (hoje em dia não se fazem longas para circuito comercial sob tais condições). Somando-se a isso a boa capacidade do diretor para reiventar algo mitológico que faça parte da cultura popular, transformando a estória real da Ordem Medieval dos Cavaleiros Templários num novo contexto com personagens arquetípicos ineditamente num gênero, já traz um sopro de ar fresco válido para qualquer fã de filmes de horror.

Tombs of the Blind Dead (1972)

No século XIII havia uma legião de malignos cavaleiros templários que, em busca da vida eterna, bebiam sangue humano e realizavam sacrifícios. Excomungados e assassinados, eles tiveram seus olhos arrancados por corvos. No presente, aqueles que passam por determinadas ruínas durante a noite são obrigados a enfrentar a fúria sangrenta dos templários que, como mortos-vivos, dão continuidade às suas atrocidades.


Filme de zumbi que muito pouco deve à escola de Romero ou à pré-Romero, que usualmente associa os mortos-vivos com a prática do voduísmo. Em "Tombs of the Blind Dead" os zumbis são Cavaleiros Templários cegos que buscam suas vítimas pelo som que emitem e possuem um visual de múmias medievais assustador misturado ao ato de vampirismo. No mínimo original, né?
As sequências dos zumbis cavalgando em "slow motion" é simplesmente fantástica e o uso de tal recurso sublinha o quê quimérico delas exatamente como traduz a violência num filme de Sam Peckinpah. Em tais momentos mais inspirados o espectador tem a certeza de estar diante de uma autêntica estória gótica de fantasmas. O canto gregoriano que acompanha a aparição dos cavaleiros também contribui para tal sensação, de resto os melhores momentos da trilha sonora são quando esta soa como efeitos eletroacústicos.
Tirando isso, a obra também traz outras partes ótimas, como a cena de estética mario baveana onde sob uma luz neon vermelha oscilante uma zumbi seminua caminha num corredor por entre manequins, a ideal imagem da morte que seduz e ameaça.
Outra sequência muito legal é a do palpitar do coração da vítima em potencial, chamando a atenção dos zumbis cegos, seguido de closes sequenciais produzindo um suspense meio hitchcockeano. A cena no necrotério, com o balanço da luz como uma paródia noir, contando com a comédia na interpretação do legista seguida de uma piada de humor negro barato divertem. O final caótico e pessimista em aberto para uma nova sequência também merece destaque.
No mais, de um ponto de vista estético, tem bastante coisa interessante, desde o enquadramento que faz uma fogueira causar uma nudez parcial feminina até o simples e visceral quadro de um sapo pulando numa poça de sangue.
De resto, pra você que curte polêmicas, há lesbianismo debaixo de um crucifixo, apesar do softcore ser contido, também há cavaleiros cortando uma virgem a espadadas para depois chuparem seu sangue, estupro em cemitério e criancinha chorando com a face borrifada com o sangue da mãe; já pra você que espera um bom roteiro e boas atuações... bem, vá procurar outro filme.
Dentre outras coisas, filme indicado para quem consegue sentir empatia por mãozinhas cadavéricas.

Trailer em inglês sem legendas.

Download: torrent e legenda



Return of the Evil Dead (1973)

Cavaleiros Templários praticantes de magia negra aterrorizam os moradores de uma vila espanhola no ano de 1550. Os habitantes do lugar se unem e massacram os fanáticos. Passados 500 anos, no aniversário do massacre, os zumbis saem de seus túmulos para a vingança.


Bom, "Return of the Evil Dead" não é bem uma sequência de "Tombs of the Blind Dead" no sentido de que "Return..." não começa de onde o filme anterior parou e a versão para a estória original dos Templários ser completamente diferente: aqui os cavaleiros têm seus olhos queimados por aldeões enfurecidos ao invés de devorados por corvos. 
Aliás, tal sequência de abertura já promete mais "gore" que em "Tombs...". E a promessa se cumpre no desenrolar do filme com cenas bem violentas. Uma delas, em que os Templários torturam uma mulher abrindo seu peito e comendo seu coração, chega a lembrar o melhor do mestre Herschel Gordon Lewis. E tome-lhe peitinhos "fake" cortados e sangrando. 
Do primeiro filme da saga tem-se o canto gregoriano quando da aparição dos zumbis, o uso dos mesmíssimos takes quando da ressurreição dos cavaleiros (fato que sublinha a questão sempre presente do baixo orçamento) e a grande sacada, aqui melhor explorada, da cavalgada em "slow motion". Pra falar a verdade, "Return..." tem um enredo melhor e um roteiro mais ágil e bem elaborado que "Tombs..." e, por muitos, é considerado o melhor, e não apenas por ser o mais violento, filme dentre os 4 da saga. 
Pra melhorar, os mortos cegos ficam em cena durante a maior parte do filme e a sequência em que eles invadem o festival da cidade massacrando as pessoas é de uma brutalidade caótica muito bem dirigida. Somado a isso, o espectador ainda é brindado com a visão da face putrefata de um dos cavalos fantasma; e é bom dizer que o figurino maltrapilho dos equinos vem bem a calhar. 
No entanto, a sombra de "Night of the Living Dead", do querido George Romero, se faz presente quando os personagens remanescentes do massacre se trancam em uma igreja. Toda a dinâmica claustrofóbica da cena, incluindo o conflito de interesses entre os personagens, levando-se em conta ainda o recurso do fogo para espantar os zumbis com o intuito de chegar ao carro que se encontra ali perto torna impossível não traçar comparações com o clássico de 1968. 
Como para contrabalancear a tensão, alguns momentos de comédia, como os representados por um comissário bonachão e sua empregada que lhe concede, dentre outras coisas, favores sexuais. Momentos de graça dignos de boas pornochanchadas. 
De resto, o final deixa um pouco a desejar; mesmo assim, outro filme super indicado para quem consegue sentir empatia por mãozinhas cadavéricas.

Trailer em espanhol com legendas em inglês.



The Ghost Galleon (1974)

Cavaleiros Templários satanistas em forma de zumbis caçam vítimas humanas num galeão do século XVI.


De longe, o pior filme dentre os 4 da Saga dos Blind Dead. Os personagens não causam entusiasmo, fazendo com que o espectador torça pelos zumbis, o que não parece ser a intenção de Ossorio. Pra piorar, a trama se arrasta em longas sequências de mulheres perambulando pelos decks e corredores do navio enquanto os mortos-vivos, quando as atacam, arrastam-nas PARA FORA DO QUADRO afim as matá-las. Como que pra compensar tal fiasco, a melhor cena, e mais gráfica, é a da morte de uma loura. Esta começa sendo estrangulada por uma mãozinha cadavérica sendo então desmembrada com os seres a sua volta desfrutando de seus restos mortais de maneira gustativa. 
A noção de um navio existente na sua própria dimensão de zona temporal é bem conduzida e a neblina que constantemente envolve o cenário como um personagem à parte muito provavelmente influenciou o superior filme com navio fantasma "The Fog", de John Carpenter (1979). 
Apesar de sempre apresentarem um visual "ótimo", os Templários parecem não funcionar tão bem longe da terra, onde sua já clássica cavalgada em "slow motion" sublinha seu quê fantasmagórico. Ainda há também uma subtrama sobre um tesouro perdido que é tão mal desenvolvida que nem mereceria menção, caso não fosse realmente tão mal desenvolvida. 
Dependendo do ponto de vista, a malfeita maquete que representa o navio pode ser charmosa e partircularmente divertida no take em que se incendeia. Ponto positivo para o final de “The Ghost Galleon”, quando os mortos-vivos emergem das profundezas do oceano e, numa sequência de tomadas inspiradas numa praia, cercam os dois únicos exasutos sobreviventes do pesadelo.


Filme completo no youtube em inglês sem legendas.



Night of the Seagulls (1975)

Os Cavaleiros Templários Mortos-Vivos retornam no quarto e último filme da franquia "Blind Dead". Neste, os zumbis aterrorizam um vilarejo pesqueiro, local onde despertam durante sete dias a cada sete anos exigindo sacrifícios para que os locais continuem em segurança.


Bom desfecho para a franquia "Blind Dead". Alguns podem comparar o enredo central da estória, que inclui uma tradição local de deificar entidades antigas a clássicos do escritor H.P. Lovecraft como "The Shadow Over Innsmouth" e "Dagon". Forçação de barra. Fato que não quer dizer que não haja sacadas poéticas, como as gaivotas que aparecem à noite representando as almas das meninas que já foram sacrificadas.
O roteiro ajuda a dar bom ritmo a “Night of the Seagulls”, que embora apresente pouca nudez e apelo sexual, não poupa o espectador de cenas bem violentas, como a de um coração sendo removido e mostrado pra câmera, mais uma vez lembrando o gore colorido do Sr. Herschel Gordon Lewis; e alguns takes bem nojentos que incluem caranguejos passeando por entre os restos mortais das vítimas desmembradas.
Além de belas tomadas dos Templários cavalgando pela praia, outro ponto positivo está na empatia que Ossorio consegue criar entre o espectador e seus protagonistas, forasteiros que acabam de chegar numa comunidade que lhes é estranha tentando entendê-la para ajudá-la. Acaba que eles se esforçam em proteger um retardado e uma das meninas que seria sacrificada. Mas o diretor não amolece e ambos, tanto o retardado quanto a menina, acabam morrendo.
As sequências dos locais levando as meninas para serem sacrificadas pelos Templários na praia é perturbadora e o jeito que eles maltratam o retardado acima citado, somado ao fato da facilidade que teriam para destruir os zumbis, fazem o espectador se questionar quais seriam os verdadeiros monstros da estória.
Aqui, como no filme anterior, não há menção ao monastério de Berzano; fato que não impede Ossorio de usar os mesmos takes dos dois primeiros filmes para mostrar os Templários saindo de suas tumbas. Aliás, os zumbis ficam pouco tempo em cena e são quase periféricos ao enredo, mas sempre que aparecem, são eficazes em captar a atenção até dos mais distraídos.
Comparações com "Night of the Living Dead" de Romero poderiam ser feitas, quando os zumbis cercam a casa onde se encontram os quatro sobreviventes, enfiando suas mãozinhas cadavéricas por cada fresta possível: claustrofobia pura, boa e clássica.
Por fim, o perecer dos Templários é horrendamente divertido, com sangue jorrando aos borbotões de seus olhos sem órbitas. Infelizmente, esta é a última aparição destes terríveis seres, o último soluço de uma grande e verdadeiramente única criação gótica que é tão potente agora como quando foi concebida.

Filme completo no youtube em inglês sem legendas.

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